Jorge Mautner conheceu Caetano Veloso e Gilberto Gil na época em que os dois baianos foram exilados em Londres, em 1969. Lá firmaram uma intensa e artística amizade. Caetano ouviu Jorge Mautner cantarolar uma múscia chamada O Vampiro e ficou apaixonado pela estética simples e ao mesmo tempo estrondosa de Mautner. Tal música, anos mais tarde, é gravada por Caetano em seu disco antológico chamado Cinema Transcendental, de 1979.
(Cinema Transcendental - Caetano Veloso - 1979)
O Vampiro
Eu uso óculos escuros
Para as minhas lágrimas esconder
Quando você vem para o meu lado,
As lágrimas começam a correr
Sinto aquela coisa no meu peito
Sinto aquela grande confusão
Sei que eu sou um vampiro
Que nunca vai ter paz no coração
Às vezes eu fico pensando
Porque é que eu faço as coisas assim
E a noite de verão ela vai passando,
Com aquele cheiro louco de jasmim
E fico embriagado de você
E fico embriagado de paixão
No meu corpo o sangue já não corre,
Não, não, corre fogo e lava de vulcão
Eu fiz uma canção cantando
Todo o amor que eu tinha por você
Você ficava escutando impassível;
Eu cantando do teu lado a morrer
Ainda teve a cara de pau
De dizer naquele tom tão educado
«oh, pero que letra tan hermosa,
Que habla de un corazón apasionado!»
Por isso é que eu sou um vampiro
E com meu cavalo negro eu apronto
E vou sugando o sangue dos meninos
E das meninas que eu encontro
Por isso é bom não se aproximar
Muito perto dos meus olhos
Senão eu te dou uma mordida
Que deixa na tua carne aquela ferida
E na minha boca eu sinto
A saliva que já secou
De tanto esperar aquele beijo,
Aquele beijo que nunca chegou
Você é uma loucura em minha vida
Você é uma navalha para os meus olhos
Você é o estandarte da agonia
Que tem a lua e o sol do meio-dia.
Maracatu Atômico
Atrás do arranha-céu tem o céu, tem o céu
E depois tem outro céu sem estrelas
Em cima do guarda-chuva tem a chuva, tem a chuva
Que tem gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las
No meio da couve-flor tem a flor, tem a flor
Que além de ser uma flor tem sabor
Dentro do porta-luva tem a luva, tem a luva
Que alguém de unhas negras e tão afiadas se esqueceu de por
No fundo do pára-raio tem o raio, tem o raio
Que caiu da nuvem negra do temporal
Todo quadro-negro é todo negro, é todo negro
E eu escrevo o seu nome nele só pra demonstra o meu apego
O bico do beija-flor beija a flor, beija a flor
E toda a fauna aflora grita de amor
Quem segura o porta-estandarte tem arte, tem arte
E aqui passa com raça eletrônico maracatu atômico
(Tropicália ou Panis et Circencis - 1968)
O fato é que Mautner pode não ter participado de forma ativa desse movimento, mas sua arte, suas letras, sua produção estética é totalmente descomprometida com o comum, é totalmente inovadora. Mautner é um artista peculiar com o sentido mais peculiar da palavra; Mautner é o artista de linguagem própria, de linguagem que não explica, que apenas diz, e ao dizer surpreende, surpreende abrindo brechas para o múltiplo de interpretações que podem nascer da subjetividade mental de cada um que aprecia sua arte. Sua arte é a arte do incomum, onde o simples é visto por uma ótica de tal modo incomparável que só podemos dizer que o mundo é visto por Mautner por uma ótica de Mautner. Por isso ele é considerado o artista que rompe com a estrutura, que vai além de seu tempo, que não faz arte para agradar ninguém, ele apenas vomita o que enxerga quando observa o simples. Disso se diz que Mautner é o primeiro tropicalista, mesmo que isso não seja oficial, mesmo que a história possa negar isso. Aquele que entra em contato com Jorge Mautner percebe que ele é sim o prototropicalista.
Por isso, quero vos deixar a trilha sonora do filme, que recomendo que assistam, chamado Jorge Mautner - O Filho do Holocausto de 2012 escrito e dirigido por Pedro Bial e Heitor D’Alincourt.