I
1970. Tenho minhas dúvidas sobre reencarnação, mas alguma coisa me diz que eu vivi na década de 70. Meu gosto musical é atraído para essa década de uma forma inexplicável. Para mim foi a época mais produtiva, mais fértil da história da música. Não, não estou me referindo apenas à Inglaterra ou aos Estados Unidos. Estou falando também do Brasil.
O que estourou lá na segunda metade da década de 60 até o final da
década de 70 que repercutiu aqui, propriamente na nossa década de setenta? O rock psicodélico e rock
progressivo, com
Cream
The Yardbirds
The Rolling Stones
Janis Joplin The Jimi Hendrix Experience
The Beatles The Doors
Led Zeppelin
Pink Floyd
e, perto do fim de 70, a Disco
Music, com
ABBA
Donna Summer
Esses sons invadiram a América do sul de uma forma estonteante.
A década de 70 aqui no Brasil é cheia de bandas que chuparam a psicodelia britânica e se
meteram a fazer rock progressivo da melhor qualidade, como
e também é cheia de grupos
de disco music agitando as paradas sonoras das rádios e das discotecas, como
As Frenéticas
ABBA
Donna Summer
The Jackson 5
James Brown
Michael Jackson
O Terço
A Barca do Sol
Bacamarte
Som Imaginário
Casa das Máquinas
Vímana
14 Bis
Tim Maia
Banda Black Rio
A banda Os Mutantes, é um exemplo dessa mistura de influências, flertaram com a psicodelia, com o tropicalismo e com o rock progressivo. Em 1966, foram banda de apoio no programa artístico O Pequeno Mundo de Ronnie Von, na TV Record. Na época, eles se chamavam Os bruxos.
Os Mutantes como banda de apoio no programa de televisão de Ronnie Von
Chegaram, inclusive, a participar do disco psicodélico de Ronnie Von, Ronnie Von nº 3, de 1967.
Depois gravaram com os tropicalistas o disco Tropicália ou Panis et Circences, de 1968, álbum manifesto do movimento tropicalista,
Mais tarde, quando lançam seu último álbum com Rita Lee, intitulado Mutantes e Seus Cometas no país dos Baurets, de 1973, entram de cabeça no rock progressivo.
Depois gravaram com os tropicalistas o disco Tropicália ou Panis et Circences, de 1968, álbum manifesto do movimento tropicalista,
Mais tarde, quando lançam seu último álbum com Rita Lee, intitulado Mutantes e Seus Cometas no país dos Baurets, de 1973, entram de cabeça no rock progressivo.
Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets (1973)
O fato é que o som dissonante, não convencional e lisérgico da música de fora do Brasil influenciou o som dos nossos músicos, como
Gal Costa
Caetano Veloso e Gilberto Gil
Zé Ramalho
Raul Seixas
Os Mutantes
Ronnie Von
Os Doces Bárbaros
Secos & Molhados
Ave Sangria
Considero Rock Psicodélico e Rock
Progressivo filhos da contracultura que teve seu auge na década de 60,
porque, se contracultura é a mentalidade dos que rejeitam e questionam
valores e práticas da cultura dominante da qual fazem parte, esse tipo de som
que começou a ser feito em terras tupiniquins era totalmente contra a cultura dominante.
II
Como prova de que o som ultrapassa a barreira do tempo e do espaço, lá em São Bento do Una, no interior de Pernambuco, nasceu um moço muito criativo no ano de 1946, um moço muito fértil, muito poeta, chamado Alceu Paiva Valença. Ele estava antenado ao que acontecia pelo mundo mesmo sem ainda existir a Internet.
Em 1977 lança um álbum que eu considero um álbum liquidificador. O que seria isso? Álbum liquidificador é aquele que mescla, que junta, que mistura diversos segmentos musicais, não só no disco todo, mas em cada música do disco todo. Esse disco é histórico, é o Brasil psicodélico, é como um nordestino vomitava a psicodelia e o baião que tanto já havia consumido. Esse álbum é o espelho do tempo psicodélico. Esse álbum se chama
O instrumental é transcendental, coisa de
outro mundo, a mistura de guitarra e baião, frevo e poesia, que leva quem o ouve a outros mundos. As letras são bem poéticas e
enigmáticas e abrem brechas para novas interpretações cada vez que se ouve. Simplesmente
é um dos melhores álbuns da história da música, não só brasileira, mas, também,
mundial.
As faixas são:
01 Agalopado ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 3:22)
02 Maria dos Santos ---- (composição: Don Tronxo, Alceu Valença) (duração: 3:57)
03 Anjo de Fogo ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 3:26)
04 Veneno ---- (composição: Rodolfo Aureliano, Alceu Valença) (duração: 4:05)
05 Espelho Cristalino ---- (composição: Refrão do Folclore Alagoano, Alceu Valença) (duração: 4:00)
06 Eu sou Você ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 3:31)
07 A Dança das Borboletas ---- (composição: Alceu Valença, Zé Ramalho) (duração: 2:59)
08 Sete Léguas ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 4:22)
Cada uma delas tem uma particularidade inexplicável que leva quem ouve a um lugar muito subjetivo, muito pessoal do ouvinte. As letras são recheadas de metáforas, o que torna tudo muito mais rico de interpretações. E essas metáforas, bem como a musicalidade, são muito lisérgicas.
VENENO
Aprendi com a chuva
Você não quis me ensinar
Fiz toalha do sol também
Você não quis me enxugar
Eu fui jogado entre as feras
Olho por olho é a lei
Qualquer dia eu enfrento sua guerra
E minhas balas têm gosto de hortelã
Eu sou a terrível febre amarela
E o veneno da cobra e da maçã
ESPELHO CRISTALINO
essa rua sem céu, sem horizontes
foi um rio de águas cristalinas
serra verde molhada de neblina
olho d'agua sangrava numa fonte
meu anel cravejado de brilhantes
são os olhos do capitão corisco
e é a luz que incendeia meu ofício
nessa selva de aço e de antenas
beija-flor estou chorando suas penas derretidas na insensatez do asfalto
mas eu tenho meu espelho cristalino
que uma baiana me mandou de maceió
ele tem uma luz que alumia
ao meio-dia clareia a luz do sol
que me dá o veneno da coragem
pra girar nesse imenso carrossel
flutuar e ser gás paralisante
e saber que a cidade é de papel
ter a luz do passado e do presente
viajar pelas veredas do céu
pra colher três estrelas cintilantes
e pregar nas abas do meu chapéu
vou clarear o negror do horizonte
é tão brilhante a pedra do meu anel
Sou um admirador fanático da sonoridade nordestina, não só instrumental, mas da sonoridade do sotaque da região, acho muito agradável de ouvir a força como são entoadas as palavras. Tudo isso misturado num disco, toda essa cultura e contracultura condensadas num disco. Realmente esse disco espelha a psicodelia que fervilhava nos anos 70.
Recomendo a audição!
As faixas são:
01 Agalopado ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 3:22)
02 Maria dos Santos ---- (composição: Don Tronxo, Alceu Valença) (duração: 3:57)
03 Anjo de Fogo ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 3:26)
04 Veneno ---- (composição: Rodolfo Aureliano, Alceu Valença) (duração: 4:05)
05 Espelho Cristalino ---- (composição: Refrão do Folclore Alagoano, Alceu Valença) (duração: 4:00)
06 Eu sou Você ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 3:31)
07 A Dança das Borboletas ---- (composição: Alceu Valença, Zé Ramalho) (duração: 2:59)
08 Sete Léguas ---- (composição: Alceu Valença) (duração: 4:22)
Cada uma delas tem uma particularidade inexplicável que leva quem ouve a um lugar muito subjetivo, muito pessoal do ouvinte. As letras são recheadas de metáforas, o que torna tudo muito mais rico de interpretações. E essas metáforas, bem como a musicalidade, são muito lisérgicas.
AGALOPADO
Quando eu canto o seu coração se abala
Pois eu sou porta-voz da incoerência
Desprezando seu gesto de clemência
Sei que meu pensamento lhe atrapalha
Cego o sol seu cavalo de batalha
E faço a lua brilhar no meio-dia
Tempestade eu transformo em calmaria
E dou um beijo no fio da navalha
Pra dançar e cair nas suas malhas
Gargalhando e sorrindo de agonia
Se acaso eu chorar não se espante
O meu riso e o meu choro não têm planos
Eu canto a dor, o amor, o desengano
E a tristeza infinita dos amantes
Don Quixote liberto de Cervantes
Descobri que os moinhos são reais
Entre feras, corujas e chacais
Viro pedra no meio do caminho
Viro rosa, vereda de espinhos
Incendeio esses tempos glaciais
VENENO
Aprendi com a chuva
Você não quis me ensinar
Fiz toalha do sol também
Você não quis me enxugar
Eu fui jogado entre as feras
Olho por olho é a lei
Qualquer dia eu enfrento sua guerra
E minhas balas têm gosto de hortelã
Eu sou a terrível febre amarela
E o veneno da cobra e da maçã
ESPELHO CRISTALINO
essa rua sem céu, sem horizontes
foi um rio de águas cristalinas
serra verde molhada de neblina
olho d'agua sangrava numa fonte
meu anel cravejado de brilhantes
são os olhos do capitão corisco
e é a luz que incendeia meu ofício
nessa selva de aço e de antenas
beija-flor estou chorando suas penas derretidas na insensatez do asfalto
mas eu tenho meu espelho cristalino
que uma baiana me mandou de maceió
ele tem uma luz que alumia
ao meio-dia clareia a luz do sol
que me dá o veneno da coragem
pra girar nesse imenso carrossel
flutuar e ser gás paralisante
e saber que a cidade é de papel
ter a luz do passado e do presente
viajar pelas veredas do céu
pra colher três estrelas cintilantes
e pregar nas abas do meu chapéu
vou clarear o negror do horizonte
é tão brilhante a pedra do meu anel
A DANÇA DAS BORBOLETAS
As borboletas estão voando
A dança louca das borboletas
As borboletas estão girando
Estão virando sua cabeça
As borboletas estão invadindo
Os apartamentos, cinemas e bares
Esgotos e rios e lagos e mares
Em um rodopio de arrepiar
Derrubam janelas e portas de vidro
Escadas rolantes e das chaminés
Mergulham e giram num véu de fumaça
E é como um arco-iris no centro do céu
As borboletas estão voando
A dança louca das borboletas
As borboletas estão girando
Estão virando sua cabeça
As borboletas estão invadindo
Os apartamentos, cinemas e bares
Esgotos e rios e lagos e mares
Em um rodopio de arrepiar
Derrubam janelas e portas de vidro
Escadas rolantes e das chaminés
Mergulham e giram num véu de fumaça
E é como um arco-iris no centro do céu
Sou um admirador fanático da sonoridade nordestina, não só instrumental, mas da sonoridade do sotaque da região, acho muito agradável de ouvir a força como são entoadas as palavras. Tudo isso misturado num disco, toda essa cultura e contracultura condensadas num disco. Realmente esse disco espelha a psicodelia que fervilhava nos anos 70.
Recomendo a audição!