quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Ler é dialogar com a própria alma


Um livro é um conjunto de idéias. A leitura de um livro é uma troca de idéias entre o leitor, que já carrega consigo uma considerável bagagem cultural, de filmes, de outros livros, de revistas, de conteúdos da internet, de pesquisas atualizadas no campo da ciência, e o escritor, que sempre precisa nos dizer algo, que nos oferece um olhar diferenciado sobre algum assunto.

A leitura de um livro é um diálogo. Digo isso até por mim, por experiência própria, quando estou lendo um livro que me cativa, de vez em quando me pego falando comigo mesmo, como se estivesse conversando com o autor da obra. Tem vezes que tento ser discreto, fingir que sou normal, sussurrando comigo mesmo. Mas isso não é nenhuma loucura, meus amigos e amigas. Se a leitura de um livro é uma troca de idéias, logicamente que o leitor sente a necessidade de conversar consigo mesmo. Isso se chama reflexão. Você está diante do espelho, você observa a você mesmo. Reflexo. Você está monologando com você mesmo, então você está dialogando com sua própria alma. Reflexão. É uma dialética.

Escher, Autorretrato em Esfera Espelhada, 1935.

Na filosofia de Sócrates e Platão, Dialética é o diálogo filosófico, onde duas ou mais pessoas participam. O objetivo é sair do ponto de partida para o ponto de chegada, ou seja, cada interlocutor expõe sua doxa, que em grego significa opinião sem fundamento (o famoso eu acho), numa espécie de processo de modelar, onde as opiniões infundadas começam a se contrapor umas as outras, gerando em alguns momentos algumas contradições necessárias para, então, chegarmos ao conhecimento verdadeiro, que em grego chamamos de episteme

Sócrates e Platão.

Ler um livro, portanto, é moldar sua própria alma. Quando lemos um livro, saímos do lugar cômodo, por isso que para muitos a leitura é difícil, porque é difícil mudar, é difícil modelar sua própria alma, sendo muito mais confortável permanecer imóvel, paralisado, acomodado.


No livro VII da República, o filósofo Platão nos demonstra a famosa Alegoria da caverna, que muitos chamam de mito da caverna. Através dessa metáfora, o filósofo grego conta que conhecer é sair da caverna. 

Obra A República de Platão, escrita por volta do século IV a. C..

A caverna é o local onde estamos presos por correntes da nossa própria ignorância, estamos numa posição tal que somente conseguimos enxergar as sombras que passam nas paredes dessa caverna. Iludidos, achamos que estas sombras é que são a realidade, mal sabendo que elas não passam projeções das coisas que estão fora da caverna, e estas sim são verdadeiras, lá fora é o mundo verdadeiro.


A leitura de um livro é uma troca de idéias, e poucos estão dispostos a trocar idéias, a absorver novas idéias, poucos conseguem despertar do sono da falta de coragem de arrebentar as correntes. Por isso que, no momento de seu julgamento, o mestre de Platão, o filósofo Sócrates, para justificar o seu labor filosófio, disse:

Uma vida não examinada não merece ser vivida

Do que adianta vivermos como eternos prisioneiros? O sentido da vida é sempre arrebentar todos os tipos de correntes da ignorância.

Matheus Caio Queiroz, eu mesmo, desbravando novas terras, novos mundos.


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ser humano: O Animal Criador das Suas Próprias Verdades

Não existe uma verdade absoluta sequer que preencha totalmente o maior vazio da existência humana, a dúvida: por que nascemos - por que existimos? É fato que existem várias e variáveis verdades relativas que rodopiam, rodeiam, dançam, e sustentam a vida dos seres ditos humanos que habitam o planeta Terra.

Talvez quem melhor se dedicou a debater, com sua carne e sangue, sobre verdades absolutas vazias e verdades relativas que sustentam a vida humana foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche.


Cito aqui para vocês um trecho do Prólogo de um de seus livros considerados mais dedo na ferida da humanidade, o seu Crepúsculos dos Ídolos, publicado originalmente em 1889:

Há mais ídolos do que realidades no mundo: este é meu 'mau olhar' para este mundo, é também meu 'mau ouvido'... Fazer perguntas com o martelo e talvez ouvir, como resposta, aquele célebre som oco que vem de vísceras infladas — que deleite para alguém que tem outros ouvidos por trás dos ouvidos — para mim, velho psicólogo e aliciador, ante o qual o que queria guardar silêncio tem de manifestar-se...

(São Paulo: Companhia das Letras, 2017, pág. 07) 


Fica claro que o filósofo tem como objetivo investigar os ídolos da humanidade, cutucando cada um com seu impiedoso martelo para identificar o vazio, o oco, desses ídolos e em seguida arrebentar um a um, deixando-os em infinitos cacos.
 
Capa da primeira edição, alemã, de Crepúsculo dos Ídolos.

Nietzsche deixa claro que este seu livro, que é o seu penúltimo em vida, é uma – como ele mesmo diz – "uma grande declaração de guerra" (idem, pág. 8) a todo ídolo que permeia a nossa humanidade. Ídolo, neste contexto, significa todo tipo de ilusão, de crença, de verdades consideradas absolutas que o homem criou para sustentar sua própria existência, para colocar sentido ao período que ele se rasteja pela face da terra. 

        O que mais nos diferencia fundamentalmente dos outros seres vivos é a cultura. Digamos que ela tem o papel de, por assim dizer, diminuir na nossa natureza o que nela existe de animalesco. Portanto a cultura é responsável por nos afastar – ou tentar nos afastar – do nosso próprio reino animal.

Cena do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de 1968, onde o diretor Stanley Kubrick mostra o passado e o futuro do ser humano: um passado marcado pela animalidade e um futuro erguido pela evolução da cultura, da tecnologia, marcado pela exploração do espaço.

 Para a nossa ciência, o aparelho psíquico humano é o mais evoluído comparado a qualquer outro ser que conhecemos até então. Isso permite ao homem a capacidade de recriar. O que quer dizer que não somos dependentes somente daquilo que a natureza nos oferece, somos capazes de ir além: podemos interferir na natureza, transformando a matéria prima, recriando o mundo que nos foi dado. Isso é cultura. É o cultivar. Cultivar significa, nos dicionários, tratar a terra, criar artificialmente a partir daquilo que existe de forma natural. E o ser humano criou. Criamos uma coisa chamada lógica; criamos a linguagem; criamos as línguas. Transformamos o mundo em letras e números. O universo passou a ser, então, objeto de investigação.
Infinitas perguntas sem respostas. Quando nos vimos carentes de sentido de vida – tudo parecia vazio e obscuro –, criamos nossas próprias respostas. Criamos mundos além deste próprio. Criamos as religiões, criamos o mundo dos mortos, criamos Hades, o submundo, o céu, o inferno, o Paraíso, o Juízo Final, os deuses, santos, rituais sagrados, costumes em cima de dogmas considerados inquestionáveis, criamos regras para conviver uns com os outros, criamos a sociedade, as leis, as tábuas, os pergaminhos, os desenhos, os livros, remédios, carroças, carros, computadores, telefones, mundos virtuais, robôs, bombas, criamos tudo isso para suportar a vida... ou para morrer mais rápido. E morremos sempre sem saber, morremos com as nossas próprias verdades.