sábado, 5 de agosto de 2017

as cartas

as cartas
as cartas, ora, onde estão?
as cartas
as cartas, são pequenas máquinas antigas de fotografias
as cartas parecem fotos em preto e branco
aquele cinza do céu
as cartas contaram muito de mim
as cartas contaram muito de ti
as cartas contaram sobre o mundo
as discussões sobre a vida
sobre os discos voadores
sobre as vidas extraterrenas
esse meu espirito zombeteiro
de demônio mal exorcizado
essa minha alma meio triste e meio alegre
essa minha mania de sumir e de des-sumir
parece que as cartas não te seguraram
as cartas
a cartografia da hidrografia que fazia a geografia do teu corpo naquele dia de sol filhadaputa
aquele sol
era o sol ou era o meu toque que te fazia pingar de corpo nu
cada pingo em cada carta daquelas que eu te escrevi
eu quase desisti
fraquejei
me ajoelhei
pedi tanto
tanto como o tonto das canções de amor que nunca mais tocaram no rádio
hoje ninguém mais ouve rádio
hoje já não se fala de amor
hoje foi essa saudade de cartas que guardaram muito da gente
dessa gente chamada humana
as cartas
as cartas
eu nunca mais atendi a nenhuma ligação depois que inventaram o celular
se eu sumir
o vento um dia se encarregará de varrer a tua calçada

terça-feira, 4 de julho de 2017

Cultura e Mídia Digital: Nosso Humor Pós-Moderno

No presente a mente, o corpo é diferente
E o passado é uma roupa que não nos serve mais

Belchior

As redes sociais estão cheias - ou dominadas - de memes. Mas o que é meme? É o nosso humor digital pós-moderno. Os memes tomaram conta do planeta! Deus meu, por onde se olha tem meme! O que resta é tentar não ser alvo de um deles, não ser o personagem de um desses malditos memes. Malditos? Ah, eles não são tão malditos assim. Tem uns que são muito bem bolados, muito bem pensados. Até quem não é muito chegado num meme acha graça! Não minta: que atire a primeira pedra quem nunca riu de um meme! Tem uns que são saudáveis; outros, maldosos, sabemos. Aí está uma boa questão a ser problematizada e discutida pelos filósofos e sociólogos contemporâneos, sobre se há uma ética dentro desse mundo do memeO que se vê na internet é que o brasileiro é um ser que não tem limites! Faz piada com tudo, com religião, política, com filme, com coisas que a gente nem lembrava mais, com cenas de novelas, com séries, com tudo aquilo que fica na memória popular.



A internet é um mal? Eu diria que não e defendo hoje essa tese de que ela tem muito mais benefícios do que um lado ruim. Lado ruim, tudo e todo mundo tem. Mas, em si, a internet não é nem boa nem má, ela é um meio. Dependendo da finalidade que se faz dela é que podemos dizer se foi um bom uso ou um péssimo uso. Sabemos que ela diminui o espaço e o tempo entre as pessoas. A internet é o desdobramento da nossa realidade concreta.

Vamos fazer uma rápida retrospectiva: nos primórdios, o homem vivia apenas para sobreviver, vivia como nômade, em busca da garantia de sua sobrevivência, numa corrida instintiva dentro da natureza. Depois – e isso não se deu da noite para o dia –, o homem descobre o fogo, se junta em bando e passa a praticar a agricultura, ou seja, já consegue se manter fixo em alguns lugares, acabando com o nomadismo. 



Com a escrita, o homem passa para a fase que chamamos de civilização. Isso significa que, com a linguagem, o homem cria a cultura. O que é a cultura? É a troca de informações através da linguagem, é a criação de normas, de comportamentos, de valores. Dessa forma, surgem conceitos como bom e ruim, bom e mau, bem e mal. A cultura é o meio pelo qual o homem desenvolve aquilo que adquire na sua vivência. Através da experiência no mundo concreto, acumulamos sensações, nossos sentidos captam a realidade e nós a transformamos em aprendizados; assimilamos o mundo ao nosso redor, guardamos na memória e criamos um mundo simbólico de valores e informações. A isso damos o nome de cultura.



Por décadas, os meios pelos quais divulgamos nossas informações foram a televisão, os livros, os jornais, as revistas. 


Com a criação da internet, o mundo obteve mais um desdobramento. Se a cultura já é esse desdobramento da realidade concreta, a internet, então, passa a ser um desdobramento ainda maior, possibilitando a criação de uma realidade virtual, a qual chamamos de cibercultura. 


A cibercultura nada mais é que um espaço e um tempo virtuais, uma realidade virtual. Dentro dela, aos poucos, fomos trocando informações, criando valores, transformando-a num espaço simbólico em que mantemos nossa vida virtual. Ela possibilitou que saibamos, neste exato momento, sobre algo que acontece do outro lado do mundo – que primoroso! –; através dos sites de relacionamento gerados nessa cibercultura, a internet também nos permitiu troca de nudes (pra quem não sabe, ou finge que não sabe, são as fotos em que o remetente está nu ou seminu), permitiu namoros à distancia, permitiu o reencontro de amigos, de desafetos, de namoros antigos, permitiu o sexo sem rodeios, permitiu casamentos e desfez muitos casamentos. O interessante é que também surgiu uma enxurrada de imagens com alguma legenda causando risadas quase que dementes. Não, essas imagens não são as velhas tirinhas, nem as charges, nem os cartuns. É uma nova forma de fazer humor. Quem está inserido nesse desdobramento da cultura sabe muito bem do que estou falando, é o tão comentado meme. O meme é um tipo de humor nunca visto antes em revistas, jornais ou livros. É um humor criado e difundido na internet, um humor da cultura pop. A palavra foi cunhada por Richard Dawkins, em 1976, no seu livro “The Selfish Gene” (traduzido para o nosso português como “O Gene Egoísta”), referindo-se a uma teoria ampla sobre informações culturais. Numa definição básica: tudo aquilo que causa o riso e é compartilhado repetidas vezes, exaustivamente, entre os usuários dos sites de relacionamento, sem dúvida alguma, vira meme. Um vídeo, uma imagem, um GIF (Graphics Interchange Format, traduzido como "formato para intercâmbio de gráficos”, uma espécie de imagem animada), uma frase, quando causa a risada e viraliza (essa palavra vem de viral, aquilo que é difundido feito vírus), é considerado meme. E o meme é quase uma produção anônima, dificilmente sabemos quem é o autor da maioria deles, justamente porque são de domínio publico, viram até ditados populares, e ninguém briga na justiça por seus direitos autorais.


Nesse breve texto, arriscaria dizer que os desenhistas (aí incluo os quadrinhistas, cartunistas, chargistas, caricaturistas) e os humoristas (que fazem stand-up, que trabalham com esquetes e os sobreviventes contadores de anedotas) que não se adaptarem a essa nova forma de expressão que ocupa um espaço espantoso dentro da cibercultura, respingando até mesmo fora dela, ou seja, fazendo parte já do nosso cotidiano, do nosso dia-a-dia real, certamente estarão fadados à marginalização, marginalização no sentido de ficarem de fora do grande centro da discussão, correndo o risco de caírem no esquecimento. 


meme, hoje, em plena segunda década do século XXI, ocupa um espaço de destaque. Com a internet, honestamente falando, conheço poucas pessoas que ainda leem quadrinho, que ainda procuram uma tirinha, que ainda curtem cartum, uma charge, conto nos dedos das mãos essas pessoas. Todos estão quase que unanimemente ligados, conectados, aos memes. Estar de fora desse espaço dos memes é não pertencer à turma. O sujeito acaba ficando de canto, sem entender o grande meme do momento. Estar atualizado é de suma importância, é fazer parte da tribo, é o cartão de entrada da brincadeira. E o meme está em todo lugar. A galera, nas rodas de conversa, sempre comenta o meme da moda. É assunto recorrente. E quem não estiver atualizado fica de fora da piada, fica fora das gargalhadas doentias dos amigos. É, meus amigos, ninguém quer ficar de fora da cibercultura, ninguém quer ser ignorante em se tratando de cultura virtual, ninguém quer ser considerado inculto na roda de amigos, todo mundo quer estar conectado, quer estar no caminho que todos trilham, na linha, ononline. E aqueles que não se cuidarem – temam! – serão como fantasmas, desaparecerão, sem certidão de nascimento, sem identidade, ficarão offline. Como diz nosso amigo Belchior na sua bela canção "Velha Roupa Colorida": "Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer. E o que há algum tempo era jovem, novo, hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer". 

sexta-feira, 23 de junho de 2017

As Redes Sociais e Nós


Redes sociais. Redes, o que você entende por rede? Aquela de pescador? Aquela de se embalar? Quase isso, não fosse pela função. Rede de redes sociais é uma rede de pescador que abrange um número cada vez maior de pessoas, é a rede que conecta, que liga, pessoas de diversos lugares com uma velocidade impressionante porque imediata. Aquele velho papo: o que acontece no outro lado do mundo, fica-se sabendo agora-já, nesse mesmo instante, no mesmo momento em que este texto é escrito, no mesmo momento em que este texto é lido. Cabe a você, leitor, decidir qual o mais importante: ler a informação sobre o que está acontecendo agora no outro lado do mundo ou ir até a última palavra deste texto. Redes sociais, rede de embalar? O que é o embalo da rede, da rede de se deitar, senão uma maneira de descansar, de se distrair com o cansaço que brinca e deixa nosso corpo molenga; então, redes sociais como rede de se embalar é o entretenimento: muita informação, a todo segundo, sobre tudo, sobre muita coisa inútil, muita coisa efêmera, que passa... passou, passou que ninguém viu. Mas quase ninguém vê mesmo. Tem que ser com rapidez, ninguém quer gastar mais de dez minutos em um assunto, em um click, ninguém está na rede para ficar 24 horas num click. A gente quer clicar em outras coisas, a gente quer clicar em tudo, a gente quer diversão, “A gente não quer só comida/A gente quer comida, diversão e arte/A gente não quer só comida/A gente quer saída para qualquer parte/A gente não quer só comida/A gente quer bebida, diversão, balé/A gente não quer só comida/A gente quer a vida como a vida quer”. A gente, no fim das contas, nem sabe o que quer, a gente se deixa levar, de uma informação à outra, pulando de galho em galho, igual homem primata; a gente esquece por que tá aqui, a gente esquece por que tá lendo esse texto, a gente enjoou de ler esse texto, a gente quer sair desse texto pra ir ver outras coisas. Agora a gente quer rir. Já riu. A gente quer rir mais. Cadê? Ah, agora  a gente quer ver notícias sobre política. Que merda! Nunca ninguém fica preso. Ah, faça-me o favor, meu amigo, prisão domiciliar não é prisão! Todos nós, na verdade, estamos presos em casa. A gente sai às vezes pra se distrair, mas volta pra casa e fica enclausurado, entra na internet, vê as notificações das redes sociais... Já ia esquecendo! Já ia me esquecendo de postar aquela foto! Joga uns efeitos nela, edita a foto, claro, pra ficar legal, pra mostrar que eu tô legal, que eu tô vivendo, que eu to curtindo... QUANTAS CURTIDAS JÁ? Tem que ter mais! Tão curtindo! Tão curtindo a minha foto em que eu tô curtindo, mostrando que não fico preso dentro de casa, apesar de estar preso, apesar de estar trancafiado e entorpecido nessa droga de rede social, apesar de estar preso nesse modo de vida, apesar de estar preso a likes, compartilhamentos e memes... são muitos memes, eu acho muita graça, eu acho muita graça, MUITA GRAÇA! Eu adoro me embalar nessa rede! Rede boa! E no fim das contas, a gente tá preso; no fim das contas, a gente é peixe, a rede nos prende tais quais peixes, peixes imbecis... peixes domesticados... peixes... OLHA! Que vídeo fofinho de peixinho... vou compartilhar! 

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Sangue nas Fitas


- Eu seria vagabundo demais se dissesse que te amo.
- Minta. Acho que as mentiras são necessárias pra sustentarem o amor.
- Mas se eu mentisse...
- Vamos, deixe de ser moralista! Minta. Ame. Minta!
- Isso é mesmo importante pra você?
- Sim, você sabe.
- Isso me assusta... mentir pra você me assusta.
- Mas quantas vezes você já não mentiu durante todos esses anos? A diferença é que agora será uma mentira consentida por mim.
- Cara, eu não sei. É difícil pra mim.
- Saiba que é tão difícil pra você quanto pra mim. Mas é necessário. É aquilo que as pessoas chamam de mal necessário. Minta! Diga que me ama!
- Eu... Eu...
- Você consegue! Vamos!
- Eu te... oh... eu te...
- Falta só o principal! Vamos!
- Oh... me desculpa... eu não consigo...
- Tente! Minta! Vamos!
- Desculpa, mas eu não te amo o suficiente pra mentir pra você.