Por Marco Bezerra*
Inicialmente a ideia central era uma
leitura descontraída. O livro é escrito por dois autores, Clóvis de Barros
Filho (Bacharel em Filosofia e Direito pela USP) e Júlio Pompeu (Doutor em
Psicologia, professor de Ética do Departamento de Direito na PUC- Rio). Títulos
como o doutorado não garantem explicações coerentes sobre questionamentos
filosóficos. Não que seja uma regra, mas pessoas não formadas em filosofia têm
grandes possibilidades de falarem besteiras, a colocação errada das palavras em
um discurso, por exemplo. Uma exceção a essa regra foi o grandíssimo Benedito
Nunes – professor de filosofia na Universidade Federal do Pará –, formado em
direito, mas com uma intelectualidade apurada em filosofia. Com base nisso será
feito ressalvas pontuais sobre o despreparo do doutor em Psicologia, Júlio
Pompeu. Deixo registrado minha admiração pela habilidade em sintetizar assuntos
complexos e pela vocação em ministrar aulas de Clóvis de Barros Filho.
No terceiro capítulo de Júlio Pompeu, o
sétimo do livro, o seguinte trecho: “Tudo o que é justo é também belo e bom.
Esta sentença é lugar comum entre os antigos gregos. Platão, por exemplo, a
cita como argumento na última parte do Banquete,
quando Sócrates, para contrapor-se aos discursos até então proferidos sobre Eros – o amor -, afirma que a deusa não
é bela e, por isso, também não pode ser boa e nem justa. (...). À primeira
vista, esta associação de justiça com beleza e bondade para nós, que não somos
gregos antigos não tem nada de óbvia. É, ao contrário, muito estranha. Imagine
o quanto é absurdo considerar que alguém seja bom e justo só por ser bonitinho.
Ou o contrário, que alguém seja indigno de confiança ou necessariamente mau só
porque é feioso. ” (P. 195 e 196). O que o doutor Júlio Pompeu desconhece é que
no período antigo os gregos associavam beleza também aos gestos, as atitudes,
por exemplo, não sujar o espaço público é considerado uma bela atitude. Fiquei
curioso para saber qual tradução da obra de Platão Júlio Pompeu se baseou.
Ainda no sétimo capítulo do livro me chamou atenção outra deselegância do
doutor, o menosprezo. Pessoas como Júlio Pompeu acham que desprezar é sinônimo
de “ser crítico”. O respeito a uma obra importantíssima para a construção do
pensamento ocidental, como A República
de Platão deveria ser enfatizada apesar de alguma eventual discordância. Se a
intenção é passar uma imagem de crítico, antes de mais nada, admirável seria a
fundamentação de tal posicionamento. Anteriormente, o doutor estava falando
sobre a Alegoria da Caverna – uma metáfora
para explicar que a verdade reside no conhecimento filosófico. Talvez ele não
saiba o que quer dizer essa figura de linguagem. Segue o fragmento “(...). De
repente, um destes homens – sabe-se lá o porquê – se vê livre das correntes.
Ele volta para a entrada da caverna, mas não vê nada, pois seus olhos, que
nunca viram luz tão intensa, doem. ” (P. 202). O fato de ter se libertado das
correntes foi a forma, metaforicamente, de dizer que o homem livre ao buscar o
conhecimento verdadeiro é impulsionado pela curiosidade do saber. O homem,
então solto, se depara com a luz do sol, a luz da verdade que no primeiro
momento dói, por ir contra ao que se acreditava antes.
No último capítulo na página 222, o
doutor Júlio Pompeu usa o termo idiota e não sabe seu significado. “(...). Todas
as regras de comportamento que, muitas vezes, requerem disciplina ou repressão
dos desejos para seu cumprimento. Assim que aquele que em dia de frio vence a
cama quente e aconchegante, levanta-se e congela no chuveiro, come coisas
amargas e tristes e sorri feito um idiota depois de bater o carro, tem
qualidade de vida. ” O idiota é o apolítico, isto é, aquele que não sabe viver
em comunidade, em outras palavras, o indivíduo, e não tem relação com supressão
de desejos.
Com todo respeito, coitados dos alunos da disciplina Ética no departamento de Direito da PUC
do Rio de Janeiro que serão formados. Erros repassados – a primeira e única
obra que leio de Júlio Pompeu - e como
consequência, uma quantidade absurda de advogados expondo pensamentos incoerentes
e empregando palavras erradas por aí a fora.
*Marco Bezerra é um tranquilo estudante de Filosofia da Universidade Federal do Pará e um inconformado diante de equívocos filosóficos. Nascido em 1989, na cidade de Belém do Pará, Marco está sempre observando o que é dito sobre filosofia e esse texto "Um Doutor Sofista" é sua estreia aqui no Blog Eu Vomitando.