segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ser humano: O Animal Criador das Suas Próprias Verdades

Não existe uma verdade absoluta sequer que preencha totalmente o maior vazio da existência humana, a dúvida: por que nascemos - por que existimos? É fato que existem várias e variáveis verdades relativas que rodopiam, rodeiam, dançam, e sustentam a vida dos seres ditos humanos que habitam o planeta Terra.

Talvez quem melhor se dedicou a debater, com sua carne e sangue, sobre verdades absolutas vazias e verdades relativas que sustentam a vida humana foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche.


Cito aqui para vocês um trecho do Prólogo de um de seus livros considerados mais dedo na ferida da humanidade, o seu Crepúsculos dos Ídolos, publicado originalmente em 1889:

Há mais ídolos do que realidades no mundo: este é meu 'mau olhar' para este mundo, é também meu 'mau ouvido'... Fazer perguntas com o martelo e talvez ouvir, como resposta, aquele célebre som oco que vem de vísceras infladas — que deleite para alguém que tem outros ouvidos por trás dos ouvidos — para mim, velho psicólogo e aliciador, ante o qual o que queria guardar silêncio tem de manifestar-se...

(São Paulo: Companhia das Letras, 2017, pág. 07) 


Fica claro que o filósofo tem como objetivo investigar os ídolos da humanidade, cutucando cada um com seu impiedoso martelo para identificar o vazio, o oco, desses ídolos e em seguida arrebentar um a um, deixando-os em infinitos cacos.
 
Capa da primeira edição, alemã, de Crepúsculo dos Ídolos.

Nietzsche deixa claro que este seu livro, que é o seu penúltimo em vida, é uma – como ele mesmo diz – "uma grande declaração de guerra" (idem, pág. 8) a todo ídolo que permeia a nossa humanidade. Ídolo, neste contexto, significa todo tipo de ilusão, de crença, de verdades consideradas absolutas que o homem criou para sustentar sua própria existência, para colocar sentido ao período que ele se rasteja pela face da terra. 

        O que mais nos diferencia fundamentalmente dos outros seres vivos é a cultura. Digamos que ela tem o papel de, por assim dizer, diminuir na nossa natureza o que nela existe de animalesco. Portanto a cultura é responsável por nos afastar – ou tentar nos afastar – do nosso próprio reino animal.

Cena do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de 1968, onde o diretor Stanley Kubrick mostra o passado e o futuro do ser humano: um passado marcado pela animalidade e um futuro erguido pela evolução da cultura, da tecnologia, marcado pela exploração do espaço.

 Para a nossa ciência, o aparelho psíquico humano é o mais evoluído comparado a qualquer outro ser que conhecemos até então. Isso permite ao homem a capacidade de recriar. O que quer dizer que não somos dependentes somente daquilo que a natureza nos oferece, somos capazes de ir além: podemos interferir na natureza, transformando a matéria prima, recriando o mundo que nos foi dado. Isso é cultura. É o cultivar. Cultivar significa, nos dicionários, tratar a terra, criar artificialmente a partir daquilo que existe de forma natural. E o ser humano criou. Criamos uma coisa chamada lógica; criamos a linguagem; criamos as línguas. Transformamos o mundo em letras e números. O universo passou a ser, então, objeto de investigação.
Infinitas perguntas sem respostas. Quando nos vimos carentes de sentido de vida – tudo parecia vazio e obscuro –, criamos nossas próprias respostas. Criamos mundos além deste próprio. Criamos as religiões, criamos o mundo dos mortos, criamos Hades, o submundo, o céu, o inferno, o Paraíso, o Juízo Final, os deuses, santos, rituais sagrados, costumes em cima de dogmas considerados inquestionáveis, criamos regras para conviver uns com os outros, criamos a sociedade, as leis, as tábuas, os pergaminhos, os desenhos, os livros, remédios, carroças, carros, computadores, telefones, mundos virtuais, robôs, bombas, criamos tudo isso para suportar a vida... ou para morrer mais rápido. E morremos sempre sem saber, morremos com as nossas próprias verdades.

2 comentários:

  1. "E morremos sempre sem saber"

    frase que vai de encontro ao imaginário racional imposto a nós.

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    1. O famoso Século das Luzes deu à razão humana um poder tão grande que este mero ser começou a acreditar que tudo podia conhecer e dominar. Esse "logocentrismo" nos mimou bastante hehe.

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